sábado, agosto 20, 2005

Guerrilha em alta

[clipping: JORNAL DO BRASIL/CADERNO IDÉIAS)

Prosopopéia do universo

Coletânea de poemas surpreende em meio ao turbilhão dos circuitos paralelos

Henrique Rodrigues
[20/AGO/2005]


Microafetos
Wladmir Cazé
Edições K
80 páginas
R$ 15

Se na vasta produção literária contemporânea a prosa vem se diluindo numa profusão de temas, vozes e meios de distribuição, que dizer da poesia? Bem antes que os adventos editoriais permitissem impressões por demanda, favorecendo os editores com edições menores a preços acessíveis, poetas de várias tendências já tentavam escoar de mão em mão a sua produção artesanal, gerada desde em mimeógrafos até nas reproduções de fotocópias reduzidas. Vanguarda por excelência, na acuidade das pontas de lança, o verso geralmente precede a prosa nos movimentos literários, ou se apropria com mais rapidez de novos recursos e suportes, como a internet.

Há pelo menos um aspecto negativo nesse processo. Como vem acontecendo nos dias atuais, a facilidade de publicação torna cada vez mais difícil identificar a qualidade literária no imenso volume de obras que vêm circulando. As publicações independentes têm adquirido tal dimensão que em meio aos inúmeros lançamentos despontam livros de qualidade surpreendente, como a coletânea de poemas Microafetos, do pernambucano Wladimir Cazé.

Com o suporte da bem aplicada arte gráfica de Iansã Negrão, boa parte dos 44 poemas atribui sentimentos aos seres diminutos da natureza. Formigas, borboletas, abelhas e caramujos simulam angústias, medos e paixões, traduzindo na personificação uma espécie de refúgio das sensações humanas. O recurso da prosopopéia, entretanto, funciona apenas como suporte para o projeto poético do livro. Já no poema de abertura, ''Geração'', o leitor pode constatar a noção do lugar do poeta: ''Descansa o incêndio/ dentro do ovo./ Uma fênix em repouso. (...) Raiz de proveta./ A planta ainda/ está na pétala.''

As quatro partes do livro (''Caterva'', ''Fauna miúda'', ''Microafetos'' e ''Ocasiões'') oferecem uma profusão de aliterações, eufonias e ritmos cadenciados. O autor, já experiente na publicação de cordel, lança mão de uma eficiente habilidade melopéica, sem necessariamente deixar os poemas à mercê de formas fixas. A opção favorece uma leitura imagética e sobretudo lúdica dos textos, como no dístico ''Malandra'': ''Salamandra se dissimula/ apta a uma samambaia.'' Ou mesmo na série de quartetos que intitula o livro: ''No calor de uma tarde ecossistêmica,/ a química da abelha esquizofrênica/ desregula o amor clínico:/ clima idílico num país caótico.'' Residente em São Paulo desde 2003, Cazé situa também as mazelas urbanas no movimento da miniaturização: ''Da capa de uma revista,/ escapa um capitalista,/ entra num frasco sem rótulo/ ou numa caixa de fósforos.''

A circulação de Microafetos tem ocorrido nos eventos que vêm surgindo na cena literária contemporânea. A Edições K, lançada em 2004 na Festa Literária de Parat), é na verdade uma cooperativa de autores que, em diferentes pontos do país, organizam circuitos de lançamentos em livrarias, sebos, bares, bibliotecas ou quaisquer outros espaços que permitam o contato direto autor-leitor. Em meio à prolífera quantidade de lançamentos, temos aqui um belo exemplar de poesia com valor literário.

http://www.jb.com.br/jb/papel/cadernos/ideias/2005/08/19/
joride20050819011.html

1 Klamores:

Anonymous Anônimo komentou...

very good essa resenha. wladimir é VANGUARDA!!!
mb

4:54 PM  

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